Em cada mulher porto
eu poderia ficar atracado
por um ano inteiro ou descuidado
por toda uma vida,
tomando os ventos
que não se repetem,
no ritmo constante das marés.
Em cada mulher porto,
ó marinheiro,
existem tantos motivos
vida inteira não seria bastante,
para tudo conhecer e explorar,
mil razões para ficar.
Em cada mulher porto,
tantos santuários, delicadezas sutis,
lóbulos de orelhas,
curvas de pescoços, planos e altos,
planicies extensas de lento percorrer.
Sorrisos, caras e bocas,
palavras, sons e humores,
doçuras de menina,
jeitos de mãe cuidando da gente,
garras felinas que lavram o corpo,
imprimindo marcas
que não desaparecerão jamais.
Em cada mulher porto, a ancora atracada
geme gozos incontroláveis
de um barco esquecido de sua sorte de navegar,
olvidado das pelejas, tantas ondas a cortar.
Em cada mulher porto
a escolha decisão: desistir de ser barco
fazer-se barro, encalhado até as ameias
encher-se das caracas e no lodo amalgamar-se
tornar-se uno com o fundo seco do mar.
Ou partir, lançar-se ao mundo,
soltar amarras, desfraldar velas,
zarpar, zunir nas tempestades
acoitado pelos elementos,
vagarosamente deixar-se levar
por calmarias e indolências
num mar, silêncios profundos,
que espelha e brilha, céu azul.
O que ser barco nunca escolhe, marinheiro,
é rumar em destino a algum porto-lugar,
atavico desejo de se atracar.
Que a barcos e portos, a portos e barcos,
desde o tempo dos tempos,
outra escolha não se oferece
e não conhecem outro drama
que possam, outro, encenar.