Estas palavras suas, Marcus, foram as que em primeiro lugar me ligaram às suas ideias, logo que tive o privilégio de te conhecer, numa palestra na universidade em que trabalhava, há mais de dez anos. Você tinha mesmo este jeito de falar que podia confundir aqueles de pensamento mais linear, que acreditam que somos isto ou aquilo. Você sempre foi a mistura do afeto com a ciência, da pesquisa com a prática social, da alma combativa com o coração transbordando afeto. Claro que as pessoas que nascem para serem ícones têm mesmo a irreverência, o sarcasmo e a inteligência refinada como instrumentos de transgressão. Eu sempre fui admirador da sua capacidade de levar tudo isto junto, deixando a certeza de que nós somos os inventores da psicologia que queremos ser e fazer neste país. Nós somos os loucos que só conseguem pensar, sentir e fazer coisas fora das caixas tradicionais do pensamento mais ortodoxo. Por isso somos aqueles que estamos nas beiradas da vida, nas esquinas do mundo, nas antíteses do que é considerado adequado e certo pela sociedade que sabe excluir e violentar.
Muito obrigado, Marcus, por ter deixado num país inteiro de psicólogos a ideia de que não somos neutros, que somos ativistas sócio-políticos, que somos operários de um mundo que ainda não existe em muitos lugares, mas que nosso sonho é capaz de cimentar com práticas éticas e inclusivas. Depois de você, não há mais espaço para uma Psicologia que se cegue para aqueles que não são vistos. Muito obrigado por ter sido um dos autores deste abraço na invisibilidade humana, em todas as suas formas. Hoje todos estão de luto. Vejo os loucos em silêncio reverente, os presos batendo nas celas com lágrimas nos olhos, os índios e os sem-terra caminhando no chão que não é deles em sua homenagem. Vejo os gays, os negros, as mulheres, as crianças violentadas, os usuários das instituições de saúde mental com a alma dilacerada pelo seu bárbaro assassinato.
A sua morte é mais um início. Ela é mais um renascimento em nós. Ela transforma nossa tristeza em ação cidadã contínua no porvir que nos espera. Os próximos dias, meses e anos serão em sua homenagem, porque estaremos sempre operando na direção que você nos ensinou, na sua coerência de habitar o que disse. A sua vida é uma inspiração, e a sua morte é um chamado a continuarmos construindo um mundo que não soube entender e aceitar suas ideias. Até sempre, Marcus. Seguimos juntos com você em nossos corações. Porque é lá, no coração, o lugar das ideias que constroem mundos neste mundo.