Às margens do Rio Tejo, medito.
Meu pensamento é quase um grito.
Ó alma divida, assim Lisboa,
como minha alma te vejo
entre o ser e o seria.
Doce no correr do tempo,
ancorado o meu coração,
passivo como um pobre barco,
no Cais do Sodré, ao final do dia.
Cotidiano num fazer sempre tudo igual
como a perene tabuleta de uma tabacaria
“”casado, fútil, quotidiano e tributável””
boa companhia, sopa quente e meias,
que mal na inocencia poderia haver, afinal?
Outro tempestade, disso tudo distinto,
raivoso de si, sem motivo aparente
um “”doido, com todo o direito a sê-lo””
sou em Lisboa, as pequenas janelas de uma cave
de onde vejo e ignoro todo o movimento,
que vem de fora, das formigas humanas
que te invadem as praças e monumentos.
Outro, outro, silencios gozozos,
imensos e profundos, furia espiritual, pura volupia,
frugalidade de sentimentos, hostias do pensamento
um pastelzinho de Belem, vale tanto quanto uma mulher,
quanto filhos e quanto ter um lar?
Desertar-me de toda convenção,
declarar-me um sem patria, um sem nação,
errante, mergulhar profundamente nessa indisposição
aceitar que ela me leve ao fundo,
consuma-me ao ponto em que
um calice de vinho do Porto,
seja toda rendição.