É tão grande a distância que separa
de mim, este homem miserável
caído na calçada, que dorme,
boca entreaberta, no canto escorre
uma baba nojenta,
que desce pela barba esbranquiçada,
que, a anos, não conhece
os cuidados de um barbeiro.
É tão grande,
e ao mesmo tempo tão pequena,
a distância que separa
a sua vida da minha
que, olhando-o assim caído,
chego a pensar que este homem sou eu.
Que é minha a sua vida desmantelada,
o seu cheiro azedo, que mistura urina e suor,
descaso, abandono e falta de dó.
Que são meus os seus sonhos desfeitos,
a sua desesperança exposta
e quem sabe, a sua decepção de amor.
É tão grande, e tão pequena,
essa distância imensa,
que me separa dele
e me protege de mim mesmo:
do meu ímpeto suicida,
de minha vontade intensa,
desejo de abandonar tudo
e me deixar ficar por aí,
pelas ruas, pelas calçadas,
com uma barba suja e mal cuidada,
coração decepcionado,
falta de vontade e o projeto
de não ser senão um homem velho,
pobre, abandonado e sujo,
que dorme em uma calçada qualquer.
É tão grande e tão pequena
essa distância que me separa
do homem deitado na calçada,
que em seu sono, ele sonha – quem sabe –
que um certo homem em vigília,
parado e perplexo,
se deteve e lhe olha na rua,
querendo saber quem é.
Pensando que é ele – o homem – quem dorme,
no sem sentido de sua vida
que lhe reserva, nessa noite,
casa, conforto, lençóis limpos,
um banho quente,
toalhas e uma xícara de chá.